MARTE UM
Opinião
MARTE UM é o nome do projeto que inspira o garoto Deivinho a sonhar com o seu futuro. Embora seu pai queira fazer dele um craque no futebol, o que ele deseja mesmo é ser astrofísico e embarcar na missão Marte Um, que partirá em 2030 e pretende colonizar o planeta vermelho.
Deivinho mora com os pais e a irmã mais velha em um bairro do subúrbio de Contagem, em Minhas Gerais. Gente comum, negra, que acompanhamos na rotina do dia a dia e que espelha tantas outras famílias brasileiras. É um filme brasileiro genuinamente, a gente sente. As questões raciais e de gênero estão colocadas, assim como a extrema desigualdade social. As tóxicas relações e o racismo dão os contornos, quase sempre em traços brutos, separando ainda mais as pessoas.
A irmã de Deivid é Eunice, que projeta sua carreira profissional, tem um posicionamento feminista e independente, e se apaixona por uma garota. Personagem da jovem que toma as rédeas da vida. Tércia, a mãe, é diarista e é quem traz a crise existencial para a trama, sinalizando, através dos sustos por que passa, que algo no entorno não vai bem — de fato, o pano de fundo é a eleição de Bolsonaro e tudo parece ficar sombrio pra ela a partir daí. E Wellington, o pai, é porteiro, serviçal e prestativo, considerado da família pelos moradores do prédio chique em que trabalha, até que algo dá errado e as relações sociais assumem seus devidos papéis, como dita nossa formação social.
Gabriel Martins é um diretor jovem e faz de MARTE UM seu primeiro longa. Arrebata quatro prêmios em Gramado — especial do júri, roteiro, trilha musical e melhor filme pelo voto popular. A trajetória dos personagens é um espelho da sua própria experiência e por isso reverbera de forma tão afetiva criando identidade com tantas histórias de vida. Algumas cenas são desnecessárias, como a do anão gay — até agora não entendi o propósito desta escolha; outras são lindas, como a cena de amor e dos cabelos azuis, que mais parece um polvo. MARTE UM tem essa pegada de acreditar que algo diferente seja possível, mesmo quando o universo conspira ao contrário.
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