POBRES CRIATURAS – POOR THINGS

Cartaz do filme POBRES CRIATURAS – POOR THINGS

Opinião

Especial 80º Festival de Veneza

Imagine um cientista maluco, que brinca de Deus e gosta de ser chamado assim. Um dia ele faz uma experiência e constrói uma Frankenstein mulher. Emma Stone é essa criatura que tem mente de criança e corpo de mulher. Falta desconfiômetro, falta malícia. Fala o que vem na telha e como uma esponja que tudo absorve, observa o mundo ao redor, como se dá a relação homem-mulher e, como ela  já é desconstruída, molda-se com a liberdade que deseja pra si.

Liberdade de corpo e alma. Bella Baxter constrói sua sexualidade numa road trip que ajuda a personagem no processo de autoconhecimento e de visões de mundo. Aliás, cada cidade traz sua particularidade no design de produção minucioso e criativo; e Willem Dafoe no seu personagem grotesco e espirituoso, deixa sua criatura livre. Uma relação bonita entre criador e criatura, na percepção de deixar o outro — que é outro, e não o mesmo — livre. Uma fábula construÍda com uma originalidade que impressiona, pra tratar de temas universais como o amor, a escolha, a sexualidade, o prazer e a liderança femininos.

Yorgos Lanthimos faz um cinema duro de ver na maioria das vezes, seco, implacável. A Favorita foi o filme que o colocou no cenário internacional mais comercial, inclusive nas premiações (Oscar e Bafta). Mas este, POBRES CRIATURAS, é, sem dúvida, seu melhor filme; tem humor do começo ao fim e carrega seu DNA em cada uma das  escolhas narrativas. 

E, importante: nós, espectadores, estamos sempre convocados a espiar está fábula de perto. Yorgos brinca com isso, nos colocando como quem olha no buraco escondido na parede. Distorce as cenas, usa grande angular, numa metáfora da realidade que pode ser vista de diversas formas. Mas tá tudo ali — só não vê quem não quer. 

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