O AGENTE SECRETO

Opinião
Prova de existência. Kleber Mendonça Filho usa este termo quando fala do seu personagem Marcelo, que fugiu de algo, está apreensivo, precisa mudar de identidade e busca a documentação da mãe, de quem não se lembra. Provar que existe em meio a um sistema opressivo e poder ser quem se é de verdade, independente dos pesares, são elementos do filme O AGENTE SECRETO, que concorre à Palma de Ouro em Cannes e foi muito bem recebido aqui no Festival de Cannes.
Também teve prova de existência na a chegada desse agente brasileiro no tapete vermelho, rodeado de frevo e de brasilidade, de dança e alegria, de cultura e tradição brasileiras. Foi prova de que a cultura representa quem somos e de que ela é, sim, pilar fundamental da identidade nacional. E de que apoio público para essa construção é peça -chave, assim como fazem países que valorizam seu patrimônio cultural. Reforcemos cada vez mais nossas origens. O cinema brasileiro está fazendo a sua parte mundo afora. Lindamente.
Em terras europeias, essa presença é marcante. De personalidade. Assim como foi marcante a sessão de gala do filme. Bobagem medir aplausos e nem percamos tempo com isso. Assim são as galas, parciais. Relevante é viajar pela narrativa proposta por Kleber Mendonça Filho, diretor que já esteve aqui em Cannes com Bacurau e que mostra um Brasil regional, que resgata sua memória, que traz elementos do folclore, que conecta com o presente. Um thriller salpicado com humor que só brasileiros capazes de vestir a carapuça conseguem entender.
O ano é 1977 — mas vamos desconstruir o discurso de que só temos filme sobre violência e ditadura. É filme de época, mas não é sobre isso. É sobre pessoas. Marcelo volta para o Recife, não sabemos de onde, nem o porquê. É acolhido em uma casa de refugiados, onde há pessoas apagadas, silenciadas, cada uma com sua história particular. Há acolhimento e humor — e dona da pensão é prova disso.
Aos poucos, sabemos que ele está em busca da identidade da mãe, como quem procura a identidade de um país também. Construir a memória, a origem, o entendimento de quem somos é construir pertencimento. Os personagens passam por isso. Gerações passam por isso e o filme constrói essa ponte dando um pulo na linha do tempo, como se gritasse que nós precisamos fazer esse resgate. Inclusive o Recife passa por isso, pelo tempo, no recorte da cidade descaracterizada, da perda do patrimônio cultural e arquitetônico que Kleber traz também em Aquarius e em Retratos Fantasmas.
Wagner Moura é Marcelo, até segunda ordem. Há 10 anos sem filmar em português, ele é alma do filme que é um thriller e coloca o personagem cercado por empresários corruptos, assassinos de aluguel, polícia violenta, carnaval, comunidade científica sucateada.
Aliás, (in)feliz coincidência trazer a pesquisa da universidade pública para esse patamar de vulnerabilidade diante dos mandos de um governo que trabalha para benefício próprio. Faz eco aqui e agora. Infeliz de nós que temos que lidar com isso; sortudo aquele que enxerga essas pontes nas narrativas do cinema e se transporta pra este universo em que ficção erealidade dialogam.
O AGENTE SECRETO tem os ingredientes de alguém que se esquiva, que investiga e que peita e bate de frente. O título é bom, porque também não é óbvio. É inteligente. Descobrimos quem é Marcelo aos poucos, ao mesmo tempo em que a amarração da trama vai se colocando. Talvez este seja, agora, o meu filme preferido das histórias nascidas em terras pernambucanas! E isso é bom!
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