FELIZ NATAL
Opinião
Fiz o percurso inverso e assisti ao primeiro longa dirigido por Selton Mello só agora, depois de ter visto O Palhaço duas vezes. Já aviso de antemão que quem fizer o mesmo percurso que eu, que se prepare. Feliz Natal não tem nada a ver com o seu segundo longa. Tem outro ritmo, outra luz (ou falta dela), outro clima, outro foco. A única coisa que coloca os dois projetos lado a lado é o fato de terem um protagonista que busca a si mesmo, busca seu lugar ao sol junto das pessoas ao redor, do ambiente onde vive. No mais, Feliz Natal é um filme de desconstrução, de desencontros, uma visão pessimista da vida, da família e de tudo mais que pode dar errado.
Falando assim até dá a impressão de que não vale a pena. Se você conseguir dosar as expectativas, tendo em mente que verá, sim, um filme pesado, que retrata a realidade nua e crua das mazelas familiares e pessoais, tanto melhor. Aqui não tem música de circo, muito menos palhaçada… O panorama escolhido por Selton Mello é a véspera de Natal, quando supostamente a família se reúne feliz, saudosa, para festejar, comer, beber e às vezes lembrar do aniversariante. O que é para ser uma noite alegre traz à tona as diferenças, os rancores entre os irmãos, a situação mal resolvida entre os casais, o ciúme, o estresse e é quando a roupa suja é lavada. É nessa data que Caio (Leonardo Medeiros, também em Budapeste) resolve ir até a casa do irmão, depois de ficar ausente muitos anos. Encontra a cunhada (Graziella Moretto) insatisfeita e frustrada, a mãe (Darlene Glória) dependente de bebidas e remédios, o pai (Lúcio Mauro) agressivo, o irmão, totalmente perdido, sem rumo. Os únicos que parecem festejar são as crianças, que ficam zanzando pela festa sem serem notadas, totalmente perdidas num mundo de adultos entristecidos e agoniados.
O desconforto começa logo que Caio entra nessa casa sem harmonia. Os enquadramentos fechados e escuros dão o tom pesado da cena e do clima familiar. Só depois ficamos sabendo o porquê do afastamento de Caio, do seu trauma, da sua solidão interior. Nem os amigos se salvam, também bastante confusos na vida mundana, na noite baixa, na grosseria, na depressão. Caio retorna à família para tratar das lembranças do passado. Mas o presente, o fato de ter um ferro velho denota bem sua condição interna sem esperança. Apesar de tanto sofrimento, parece ser o único que consegue sair do ciclo vicioso da família e dos amigos deprimidos. Gosto da última cena, da cortina rosada. Uma vida sem emoção, mas pelo menos uma vida verdadeira.
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