Eis abaixo meu comentário sobre a primeira vez que assisti à peça A Alma Imoral. Agora lancei mão do meu segundo recurso (o primeiro foi ler o livro) para entender e incorporar tudo aquilo que a atriz Clarice Niskier diz em seu monólogo: assisti novamente. Gostei ainda mais. Não tem como não gostar, não se divertir e não sair com reflexões mil sobre o comportamento humano.
Não perca. Ela fica ainda mais intimista e especial no pequeno e aconchegante teatro da Livraria Cultura no Conjunto Nacional. Embora a peça tenha estreado em 2008 e garanta sempre a casa lotada, nunca se sabe quando a fonte filosófica de Clarice – que declama o texto de Bonder com impressionante entrega – vai secar.
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Assisti a A Alma Imoral bem no final da sua temporada paulistana de 2010. Resolvi não publicar um texto sobre a peça, porque você já não teria acesso a ela. Foi inclusive na mesma época em que assisti ao filme Pecado da Carne – que toca em vários pontos importantes da cultura judaica, assim como o texto do rabino Nilton Bonder nesta peça e em livro homônimo. O filme já está disponível em DVD e a montagem teatral voltou ao palco de São Paulo. Portanto, vou abrir uma exceção no Cine Garimpo e dar uma dica sem que ela esteja vinculada ao filme anterior. A Alma Imoral merece essa deferência.
Se alguém torcer o nariz e perguntar se A Alma Imoral é aquela peça da moça que fica nua no palco, diga que sim, com toda a certeza. Na época, recomendei a peça a diversas pessoas e ouvi esse tipo de comentário. E foi graças a ele que entendi a complexidade da proposta do rabino. A atriz Clarice Niskier fica nua sim, porque se despe das tradições, dos preconceitos, da religião, da sociedade para mostrar a alma desprovida da moralidade imposta pelo convívio, pelos costumes e pelas expectativas do mundo em que vivemos. Ela se cobre somente com um manto preto porque precisa tirar a roupa, as palavras, os conceitos de certo e errado que moldam e engessam a alma intuitiva, impulsiva, natural, transgressora que todos nós temos. E é graças a esse fundamental simbolismo da produção da peça que conseguimos entender a alma como imoral (ou melhor, não-moral): aquela que questiona e critica a moral do corpo, o status quo, o establishment.
Mas a proposta é muito mais interessante e inusitada que isso – inclusive no seu formato. O monólogo da atriz é interativo: ela compartilha com a plateia a dificuldade de acompanhar o raciocínio, de entender onde se encaixa a cultura judaica nesse conceito de corpo moral e alma imoral, e traz leveza quando nos dá a oportunidade de ouvir de novo alguma parte do texto. Portanto, não se acanhe. Se você disser em que parte ficou na dúvida, Clarice Niskier repete esse trecho.
A Alma Imoral é um espetáculo denso, cheio de conceitos novos, de humor e de passagens construídas com muita inteligência. Imperdível para quem gosta de fazer associações, de conhecer culturas diferentes e outras formas de expressão. Impossível sair com todas as questões abordadas na cabeça. Diante disso, temos duas opções: ler o livro (que é uma referência interessantíssima e mais detalhada sobre o raciocínio de Bonder) ou ir ao teatro mais uma vez. Acho que vou lançar mão da segunda opção – o primeiro cartucho eu já usei.
Livro: A Alma Imoral (Nilton Bonder, Editora Rocco, 135 páginas)
Peça: A Alma Imoral
Teatro Eva Herz, Conjunto Nacional | tel: 3170 4059 | de 30/07 a 25/09