A MEMÓRIA QUE ME CONTAM

Cartaz do filme A MEMÓRIA QUE ME CONTAM

Opinião

A tortura era uma prática da ditadura e nós sabíamos disso pelo relato dos que tinham sido presos antes. Mas nenhuma descrição seria comparável ao que eu vim a enfrentar. Não porque tenha sido mais torturada do que os outros. Mas porque o horror é indescritível.” – Lucia Murat

Há algumas semanas, a cineasta Lucia Murat deu seu depoimento na Comissão da Verdade, de onde extraí a declaração acima. Presa diversas vezes pela ditadura e vítima da tortura, Lucia se emocionou ao lembrar de seus colegas, das privações e intimidações que sofreu e daqueles que não tiveram a mesma sorte de manter a vida. Da experiência, ficaram as marcas para sempre e as lembranças que Lucia transforma em cinema para não deixar esquecida essa triste parte da historia do país.

Diferente do documentário Que Bom Te Ver Viva, de 1989, em que Lucia destaca a experiência de diversas mulheres presas e torturadas durante os anos de chumbo da ditadura militar através de depoimentos, em A Memória que me Contam os personagens são fictícios, mas claramente uma catarse pessoal da cineasta, novamente na pele da atriz Irene Ravache (também Irene no personagem) – que consegue transmitir uma dor intensa, um desconforto com o presente em função da violência do passado. Angustiados com o frágil estado de saúde físico e mental de Ana, uma amiga ex-guerrilheira, Irene e os amigos a acompanham no hospital, enquanto Ana “decide” sequer ou não viver através da sua imagem quando jovem, vivida por Simone Spoladore.

Lucia (também de Uma Longa Viagem) faz um contratempo entre passado e presente, mesclando memória e realidade, por vezes de forma um pouco arrastada. O passado conhecemos através da Ana guerrilheira, que recorda aqueles tempos de luta e resistência, e aparece no filme como se espiasse e examinasse seus colegas. O que sabemos do passado são as memórias do grupo  e as experiências passadas à geração seguinte, de seus filhos – que também enfrentam seus dilemas, porém algo mais individualista e bem longe do idealismo vivido pela geração de seus pais.

Num tom de frustração, de análise dos erros cometidos, das mortes causadas injustamente tanto pela guerrilha, quanto pelos militares, a melancolia é grande. Tem um tom de quem busca, há décadas, encaixar esse passado em algum lugar dentro de si, sem sucesso. Tom de quem não vê sentido. Já disse que achei as cenas um pouco morosas em alguns momentos, mas é preciso dizer que  Irene Ravache está, realmente, excelente.
Considerando o momento em que estamos vivendo de abertura das caixas pretas e de vandalismo destemido, é interessante conhecer esse universo da cineasta, que repassa sua dolorosa vivência para que as gerações futuras conheçam, entendam, opinem e não cometam os mesmos erros.

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