ALÉM DAS MONTANHAS – Beyond the Hills (Mostra de Cinema SP)
Opinião
A princípio tem-se a impressão de que o convento ortodoxo nas montanhas romenas pertence a outros tempos. Recluso e rígido, pode muito bem estar localizado no passado, quando era comum meninas serem entregues aos cuidados de ordens religiosas. Até que aparece um celular e me dou conta de que estamos falando sim de isolamento físico e moral nos dias de hoje. Com esse contraste do dinâmico e do estático, do contemporâneo e do arcaico em plena Europa do século 21, a crítica torna-se ainda mais contundente.
Diretor também de Contos da Era Dourada, que trata dos anos anteriores à queda do comunismo com sarcasmo, ironia e humor inteligente, Christian Mungiu escolhe, aqui, deixar o humor definitivamente para outro projeto. Além das Montanhas, concorrente romeno ao prêmio de melhor filme estrangeiro em 2013, tem tudo, menos humor. É monótono no seu ritmo (poderíamos tranquilamente ter recebido a mesma mensagem com 30 minutos a menos de filme), que está carregado de significado na lentidão das mudanças – ou ausência delas – na manipulação dos gestos e pensamentos, no isolamento, na existência do demônio. Com uma fotografia linda, forte, fria e cheia de metáforas, o filme é uma crítica severa ao culto levado ao extremismo, à inconsequência, à falta de razão, ou, no mínimo, de bom senso, na interpretação das escrituras religiosas e a sua tradução em comportamento humano. Lembra um pouco O Monge, com Vincent Cassel, na dimensão que ganha o pecado.
Alina trabalha na Alemanha e volta para a Romênia para rever a amiga Voichita, que vive enclausurada em um monastério ortodoxo nas montanhas. Órfãs, as duas eram íntimas quando viviam no orfanato, deixando claro, inclusive, que mantinham uma relação amorosa naquela época. Enquanto Voichita enrtrega-se cegamente a Deus, Alina contesta esse amor, a existência do ser supremo, a legitimidade da convivência cega e rigorosa da rotina do monastério e declara todo o seu amor à amiga. Conflito entre fé e razão, sentimento e discurso vem à tona pela postura incontrolada e obstinada de Alina, deixando no ar uma sensação de desconforto, incompreensão e impaciência com a trama que se arrasta. E se arrasta como as cenas geladas do inverno romeno, como a fala mansa de Voichita, como a falta de perspectiva de uma solução pacífica e conciliadora.
Vencedoras da Palma de Ouro de melhores atrizes em Cannes, Cosmina Stratan e Cristina Flutur dão o tom dramático ao filme, que também rendeu a Mungiu o prêmio de melhor diretor no mesmo festival. Embora seja uma crítica direta à igreja ortodoxa do Leste Europeu, mais especificamente da Romênia, podemos pensar em todas as comunidades religiosas que tem seu rebanho fechado em uma redoma de pensamento e credo, sempre obediente. Obediência pura e simples. Um perigo.
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