BUDAPESTE
Opinião
Feliz a escolha de Budapeste como cenário para o filme. Estive lá recentemente e fiquei muito impressionada – a fotografia do filme é muito bonita e as tomadas do Danúbio valorizam ainda mais a cidade. Não sei por que Chico Buarque escolheu a capital da Hungria como pano de fundo para seu romance que deu origem a este filme, mas imagino que a dualidade da própria cidade seja uma metáfora para todas as outras duplicidades que o filme apresenta.
Budapeste foi formada pela união de duas vilas, Buda e Peste, ambas às margens do Danúbio. Buda é montanhosa e medieval, tem palácios, castelos, verde; Peste é plana, tem traçados retos e modernos, com comércio e entretenimento. O filme Budapeste também tem essa duplicidade no personagem, no vai e vem entre o Rio e a capital húngara, nas duas mulheres, nos dois idiomas, na profissão de ghost–writer do protagonista José Costa (Leonardo Medeiros).
Costa coloca no papel as histórias de outras pessoas. Mas como não assina suas obras, nunca recebe os méritos pelo trabalho. Ele vive esse dilema, de ser reconhecido e valorizado com o profissional, ou de manter sua essência com o escritor anônimo. E desse conflito surgem outros tantos, a começar pela visibilidade que sua esposa (Giovanna Antonelli) tem como apresentadora de televisão, e ele não; pela apropriação do idioma húngaro como única forma de comunicar a tradição e a cultura daquele país adotado; pela força das palavras como forma de expressão. Essencialmente Costa busca sua identidade perdida, seja na profissão, no idioma e na vida pessoal.
Não li o livro, portanto não saberia fazer uma comparação. Mas conhecendo um pouco da alma poética de Chico e lembrando vagamente de seu romance Estorvo, senti o personagem quase que como uma metáfora da busca por si próprio, da dualidade própria do ser humano de querer tudo e nada ao mesmo tempo, da dificuldade de encontrar um lugar ao sol e de se relacionar com o mundo. É verdade que às vezes Budapeste fica confuso e a indecisão do personagem cansa um pouco. Mas talvez seja esse o objetivo: despertar a leitura das entrelinhas e, consequentemente, esse tipo de reflexão. Não dá para esperar nada muito óbvio de Chico Buarque – que aliás, faz uma ponta no filme como se fosse um mero mortal.
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