ABUTRES – Carancho
Opinião
Assisti a Abutres, de Pablo Trapero (também diretor de Leonera e Família Rodante) em Buenos Aires e desde então me pergunto quando este filme chegaria ao Brasil. Pois bem, foi exibido no Festival do Rio 2010 em outubro (mais informações www.festivaldorio.com.br), na Mostra de Cinema de Direitos Humanos em novembro e acaba de entrar no circuito comercial. Além disso, é com Abutres que Trapero concorre à indicação para o Oscar de melhor filme estrangeiro, ao lado de Lula – O Filho do Brasil, representante brasileiro. Vou poupar os comentários porque realmente não tem nem comparação, na forma, no conteúdo, na atuação, direção e tudo mais. Aliás, esse assunto vale um artigo separado.
Se eu tivesse que escolher uma palavra para descrever Abutres seria ‘intensidade’. É intenso em tudo, a começar pela atuação. Mas uma vez, o onipresente ator argentino Ricardo Darin (também em O Segredo dos Seus Olhos) está espetacular e transmite toda a aflição, falta de rumo e desespero que rondam sua vida. Ele é o abutre do título, que vive às custas da desgraça dos outros. É advogado de um escritório corrupto, especializado em circular pelos hospitais de quinta categoria tentando convencer os feridos a contratarem seus serviços. Ganha o cliente, aciona o seguro e leva uma fatia do bolo milionário das indenizações geradas pelos inúmeros acidentes de trânsito no país. É em um desses pronto-socorros sem estrutura, com turnos excessivamente longos e precário atendimento que ele conhece a médica representada por Martina Gusman (também em Leonera), também muito bem no papel que faz.
Juntos eles contam a história do submundo do sistema de saúde corrupto e falido, do limite do ser humano, do caminho sem volta de algumas escolhas. Abutres, também exibido em Cannes na categoria Un Certain Regard, é um filme muito forte, assim como seus personagens. Tem personalidade, às vezes é sombrio demais, dá um nó no estômago, mas isso faz parte da realidade que representa, do contexto nebuloso dessas relações de ‘trabalho’ que não são mais do que um jogo de interesses, ganância e poder. Sinal de que o cinema argentino continua tendo muito o que nos dizer.
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