EMILIA PÉREZ

Cartaz do filme EMILIA PÉREZ

Opinião

por Suzana Vidigal

EMILIA PÉREZ  jamais poderia prever um plot twist desta magnitude antes da estreia. Estragou os planos do filme que foi laureado em Cannes e tem 13 indicações ao Oscar. Causa surpresa, mas não espanto. Desde que assisti, bem antes dessa virada de jogo, disse que essa história franco-mexicana não me convencia nem na largada.

Mas eu também poderia ter mudado de ideia, o que é legítimo e muitas vezes acontece depois de refletir sobre um filme. Pensei com meus botões e cheguei à conclusão de que há questões de gosto (que são legítimas também, cada um tem as suas, afinal musicais não são meu forte), mas o importante são os descuidos sérios em relação à autenticidade. A eles, soma-se agora a falta de postura deste diretor que atira pra todos os lados tentando salvar a própria pele. Mas o tiro só sai pela culatra.

Jacques Audiard faz um filme sobre o México, sem ter pisado ali; filmou em estúdio na França porque as cidades mexicanas são caóticas e barulhentas (!); confiou na pesquisa online na opinião dos amigos mexicanos e escalou um elenco que vende (Selena Gomez e Zoe Saldaña). Quem disse isso foi o próprio diretor, numa postura no mínimo arrogante do tipo nem-preciso-me-aprofundar-porque-falo-do-meu-lugar-de-privilegiado/colonizador. Faltou cercar-se de consultores, inclusive no marketing, nem que fosse só pra fazer o jogo da indústria.

Que é jogo duro. Ainda mais pra contar a história do narcotraficante Manitas, que procura a advogada Rita pra fazer a transição de gênero, ser a mulher que sempre sonhou, sumir do mapa e se tornar um ativista de direitos humanos. Duro porque não convence nem se for pra chamá-la de fábula ou musical. Os conflitos humanos passam longe, o descuido com o idioma que carrega a cultura local é evidente e o resultado mais parece uma colcha de retalhos. Que ficou curta, a colcha, não (en)cobre mais nada. Começa grandiosa, mas agora revela um elenco fraturado, sem a unidade que foi premiada em Cannes e sem um diretor capaz de defender sua equipe. Começa grandiosa, mas se esfacela pela falta de postura diante de um projeto que tem acordos comerciais pré-estabelecidos e de um jogo que tem suas regras.

Postura é tudo, afinal de contas. O que Karla Sofía Gascón disse ou deixou de dizer há anos, o que internautas de plantão revelam, o que cancelam ou deixam de cancelar é tema pra outro dia e tenho minhas ressalvas sobre este movimento de caça às bruxas. É preciso ter cuidado. Me concentro no desleixo de EMILIA PÉREZ que não traz uma fábula coesa, nem representativa, nem autêntica. Se assim fosse, Audiard não precisaria sair pela tangente.

Pronto, falei.

 

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