LIVRO – INFIEL

Cartaz do filme LIVRO – INFIEL
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Opinião

“Nasci em um país dilacerado pela guerra e fui criada em um continente mais conhecido pelo que dá errado do que pelo que dá certo. Nos padrões da Somália e da África, sou privilegiada por ainda estar viva e sã, privilégio que não posso nem nunca vou poder considerar líquido e certo, pois sem a ajuda e o sacrifício dos familiares, professores e amigos, nada me distinguiria das minhas semelhantes que apenas lutam para sobreviver.” – Ayaan Hirsi Ali

O interessante das artes, seja ela qual for, é o fato de trazer para perto de nós não só o prazer do contato com a expressão e ideia do outro, mas também realidades alheias à nossa. Talvez seja esse o diferencial que mais me agrada em expressões artísticas como o livro Infiel e o filme Flor do Deserto. É a capacidade da arte de colocar outros povos e outras culturas em contato com vivências e referências tão diversas e inimagináveis, a ponto de pararmos para refletir sobre questões básicas como liberdade, respeito e dignidade – que normalmente não temos tempo de valorizar. Quando nos damos conta de que isso é o que falta em sociedades como a somali, e tantas outras na África, percebemos o inferno que deve ser a vida dessas meninas e futuras mulheres submetidas à humilhação da circuncisão genital feminina.

Em Infiel (Companhia das Letras, 496 páginas), a somali Ayaan Hirsi Ali conta como cresceu numa sociedade em que não se tem identidade própria a não ser aquela do clã; em que as mulheres são, ainda pequenas, mutiladas para não sentir prazer sexual; onde o pai e o irmão escolhem seu marido; onde a mulher não tem voz ativa, não deve pensar, dar opinião, andar com o rosto descoberto, nem desacompanhada de um homem da família. Conta como venceu tudo isso, refugiou-se na Holanda, tornou-se deputada, lutou contra o radicalismo do islã e pelos direitos da mulher muçulmana. Conta como passou a questionar a existência de Deus e a veracidade dos dogmas islâmicos nos quais foi criada. Conta como foi perseguida por isso, ameaçada de morte e teve de ser mudar para os Estados Unidos.

Assim como Waris Dirie, Ayann encontrou nas artes uma via de acesso à opinião pública e a outros povos, distantes do seu. Povos que entendem tais práticas como sendo uma barbaridade atroz. Só a conscientização plantará a semente da mudança, ou pelo menos da proteção de quem já sofre com a mutilação.

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