Opinião

Especial para 74ª Berlinale

Mesmo antes de a Berlinale dar a largada, a direção do festival já tinha avisado que os diretores de MEU BOLO FAVORITO não viriam. O regime totalitário iraniano confiscou seus passaportes e Maryam Moghadam e Behtash Sanaeeha, também diretores e roteiristas de O PERDÃO (Ballad of a White Cow), não puderam sair do país e conferir, na Alemanha, o impacto do seu filme.

“Não dá pra contar a história da mulher iraniana sem ultrapassar a barreira do que é ou não permitido”, diz a protagonista Lily Farhadpour, que interpreta Mahin, uma adorável senhora viúva que vive solitária, não consegue visto pra visitar os filhos fora do Irã e encontra as amigas uma vez por ano — que pela cena do divertido almoço, deveriam se ver mais vezes pra dar risada, trocar ideias e lavar a alma. Cada uma vive sua solidão e seu envelhecimento, cerceadas pela polícia da moralidade, pelos vizinhos hipócritas e dedos-duros de plantão e pelas rígidas regras de comportamento.

Até que um dia, Mahin toma a dianteira e resolve procurar um companheiro. A investida dá certo e o que vemos é o afeto se descortinando entre duas pessoas de 70 anos, que têm muito amor pra dar, mas que não se davam este direito. “O filme é uma ficção que mostra como as pessoas se comportam na realidade”, disse ela. “A ideia dos diretores era também desmistificar essa imagem de que a mulher muçulmana dorme de hijab.” Não dorme e claro que isso passa pelo desconhecimento que se tem e o quanto o cinema iraniano precisa aproximar-se das outras culturas e quebrar esses padrões de pensamento.

“Só o amor e o afeto dão conta de aproximar as pessoas, independente da idade”, diz Esmail Mehrabi. E o amor está na dança, no vinho, na conversa jogada fora, nos corações abertos para uma nova experiência, nas luzes do jardim que se acendem numa linda metáfora da casa interna da personagem que se ilumina, no bolo favorito. As cerejas do bolo (embora ele todo seja saboroso) são o humor e a delicadeza — que, diga-se de passagem, são elementos que nos salvam das amarguras e desajustes desta vida. Isso, MEU BOLO FAVORITO tem, elegantemente, de sobra.