NAPOLEÃO – napoleon

Opinião
O que tem e o que falta no Napoleão de Ridley Scott?
-
Obviamente tem guerras napoleônicas porque esta foi a sua marca. A produção do campo de batalha, na construção e na derrocada do império, é mega — e o efeito na tela, espetacular. Para quem não é especialista nos feitos de Napoleão, faltou amarrar e explicar o contexto geopolítico da época. As batalhas estão soltas e deixa o espectador, muitas vezes, à deriva. Com exceção da Revolução Francesa (1789) que abre o filme e situa, no tempo e no espaço, a ascensão do Napoleão militar, o mapa imperial fica borrado e impreciso. Embora tenha o recurso clássico do letreiro no começo e no fim tentando dar conta deste didatismo, sinto dizer que não é suficiente.
-
Tem este personagem icônico para os franceses, aquele que se autoproclama imperador depois de a Queda da Bastilha levar os monarquistas pra guilhotina, mas faltou explicar melhor o jogo de poder interno, desenvolver personagens que “batem ponto” no roteiro, sem qualquer desenvolvimento. Pra quem esqueceu as aulas de História, vai faltar informação; pra quem tem memória boa, vai faltar conexão. Faltou escolher um período. O recorte longo, de 1789 até sua queda e exílio em 1815, faz o filme ser uma salada sem tempero. Melhor seria escolher um recorte: eleger uma batalha e, diante desse desafio, contar pro espectador como era a estratégia, a Europa, os poderes, a França, o casamento. A gente sairia sabendo mais sobre Napoleão.
-
E teria se emocionando, quem sabe. Isso porque tem Joaquin Phoenix como um protagonista que imprime um ar um tanto blasé diante do poder. Entusiasmado no começo, indiferente no final. Ganhar ou perder as batalhas não parecia mexer com seus sentimento como seu relacionamento com Josephine mexia. Tem casamento, um pouco de romance, sexo e necessidade de herdeiro permeando as decisões imperiais; e se esse era o foco de Ridley Scott (entenda-se “humanizar Napoleão”), faltou colocar, com coragem, essa relação no centro da trama. Fica em cima do muro, disputando com as batalhas os holofotes. Pena, porque a relação é o forte do filme, sendo as cartas que Napoleão escreve pra esposa Josephine (Vanessa Kirby) a base do roteiro de David Scarpa.
-
Tem personagens reais, documentos respaldando roteiro, momento histórico importante, mas não é documentário. Aos críticos da visão de Ridley Scott sobre Napoleão, falta ter isso sempre em mente. Scott faz sua leitura do personagem, escolhe seu enfoque, faz seu recorte sobre os franceses, sendo ele, inglês.
Escolhe satirizar e construir um imperador com tom de indiferença; traz licenças poéticas que esbarram no velho (e real) questionamento sobre a apuração histórica e das inverdades contidas na narrativa. Pra aproveitar o entretenimento, é preciso relevar tudo isso. Assim como fizemos com Casa Gucci, também de R.Scott. De novo ele escolhe um personagem icônico de um país que não é o seu, constrói a trama num idioma que não é o do personagem, pra desconstruir e questionar uma figura histórica nacional, um mito.
Uma provocação. Um deboche. Não um documento. R.Scott faz opções consciente do desconforto que isso gera. Com Joaquin Phoenix no comando.
-
Por fim, mas não menos importante: tem 2h38min de duração e deixa pontas soltas que faz o filme ter de tudo um pouco, mas nada em profundidade. Falta contar pro espectador que a versão que subirá na Apple + terá 4h de duração. Muitos minutos a mais que talvez sejam bem-vindos pra fazer as amarras que faltaram no corte que foi pros cinemas. Boa notícia porque tem mais sabor pra tirar desta salada napoleônica.
Comentários