O VOO – Flight
Opinião
Neste ano um incêndio matou 239 pessoas na boate de Santa Maria (RS). De quem é a responsabilidade pela tragédia? Desde então, é o assunto em voga entre autoridades, famílias, imprensa. Assisti ao filme O Voo, de Robert Zemeckis (também de Forest Gump – O Contador de Histórias, O Náufrago), um dia depois do ocorrido e quando saí do cinema percebi de que a palavra-chave era a mesma. Responsabilidade. A questão crucial não era só a responsabilidade penal, mas também ética e moral, a obrigação de analisar o risco de algo, principalmente quando uma decisão pode impactar definitivamente na vida de outras pessoas. Guardadas as devidas proporções do que é ficção e realidade nesse caso específico, confesso que, impactada pela tragédia gaúcha, O Voo fez ecoar o tema, de tudo aquilo que é feito por ganância, ego, orgulho, prazer desmedido, egoísmo.
O caso do filme com Denzel Washington (também em Filadélfia, O Livro de Eli) no papel principal trata de uma dualidade curiosa. Denzel é Whip, um piloto de avião de carreira, conceituado e competente, porém alcóolatra e dependente de drogas. Dono de si, sempre achando-se no controle da situação, não hesita em beber a bordo e cheirar uma carreira básica de cocaína antes de pilotar um avião com mais de 100 passageiros. Sente-se no controle, como sempre. E assim mascara suas fraquezas atrás do falso discurso de autoconfiança.
Com tom irônico e brincalhão, tem o controle até que o avião apresenta problemas. Os procedimentos de emergência não surtem efeito e ele precisa ser criativo e rápido o suficiente para evitar que o avião se espatife no chão, matando todos os passageiros e tripulantes, além daqueles que atingiria se caísse em uma área habitada. Whip Whitaker faz o impossível, mas a responsabilidade por voar embriagado e drogado não o exime de culpa. Salvou vidas, mas foi irresponsável.
Que medida é essa? Vamos esperar as apurações e perícias, mas a pergunta que não quer calar é: quem é que autoriza uma pessoa a colocar a vida de dezenas de outras em risco ao operar uma boate superlotada, sem saída de emergência, sem alvará de funcionamento? Quem é que autoriza uma pessoa a soltar um sinalizador inflamável em um ambiente fechado, sem qualquer controle? Deve ser alguém como a ganância e a ignorância, mas sobretudo a irresponsabilidade e o excesso de autoconfiança. O discurso de que o risco é pequeno, de que sempre dá-se um jeito, cai por terra pelo simples fato de haver risco. Pilotar embriagado, burlar as regras, é ilegal, antiético, desumano. O Voo tem uma leitura muito interessante, um desfecho que surpreende – porém acho as últimas cenas dispensáveis (terminar no tribunal teria sido de bom tamanho). Vá conferir, vale a reflexão – e, verdade seja dita, vale a cena do pouso forçado.
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