PARA POUCOS – Aimez qui Vous Voulez
Opinião
“Na vida, mesmo se estamos felizes, sempre esperamos que algo nos arrebate.” – Rachel, personagem de Marina Foïs
Cada um entende uma história como melhor lhe convém. Veja a parábola do filho pródigo, por exemplo. Um rico fazendeiro dá aos filhos herança em vida. O mais moço pega sua parte, sai para curtir a vida e quando chegam tempos difíceis e ele se vê sem comida e sem dinheiro, volta correndo para os braços do pai, que o recebe com festa; o mais velho não abandona o pai, segue fiel e trabalhador, e fica furioso com a recepção calorosa para o irmão. No Evangelho, é uma passagem que denota o arrependimento, o acolhimento certo do pai e o perdão.
Mas certamente não é com essa intenção que ela é citada por um dos personagens de Para Poucos, este bonito, forte e enigmático filme francês – embora seja preciso também perdoar. Aqui ela se encaixa sinalizando que aquele que é feliz no casamento e que vai procurar fora dele uma outra relação, experiência ou prazer, alguma hora, cedo ou tarde, vai voltar para casa. Quando perceber que chegam tempos difíceis, que a novidade já não existe, que o que era novo também se tornou corriqueiro, o que era diferente agora é previsível e que ali não há algo essencial como a perspectiva de futuro, segurança, construção, amor realmente, voltar à relação original é o caminho natural. Desde que feliz, é claro.
Para Poucos conta uma história ousada entre dois casais estáveis, famílias constituídas com filhos. Os quatro se envolvem a princípio numa vivência sexual, sem mentir, num pacto de fidelidade entre eles, mas que aos poucos vai entrando na seara do sentimento, do convívio, da família, da cumplicidade. O sexo esbarra no sentimento e confundir as coisas é algo fácil tudo está embaralhado, as funções trocadas e os papéis de marido e mulher que o casamento propõe, totalmente anulados.
Perturba um pouco assistir a entrega cega deles e imaginar, logo de cara, o que aquilo poderia causar. Em francês, o filme se chama Aimez qui Vous Voulez, ou seja, “ame quem você quiser”. A gente sabe que não funciona dessa maneira. Mas acho que saber disso perturba e faz com que o filme seja intenso e forte. Fiquei angustiada com esse jogo estranho e perigoso, muito bem conduzido pelo quarteto, com destaque para as mulheres, que têm presença fortíssima e decisiva (os homens são Roschdy Zem, também em Fora da Lei, London River – Destinos Cruzados; Nicolas Duvauchelle, também em Minha Terra, África). É como se a instituição do casamento de um casal fosse colocada à prova pelos personagens, testando uma das suas prerrogativas fundamentais: a fidelidade.
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