Opinião

Tem um quê de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, filme de Daniel Ribeiro, que conta a história de um garoto cego e sua vivência na escola, na família, na descoberta da sexualidade. Sentidos aguçados, num filme que traz o cotidiano do adolescente, sem carregar na mão do drama, sem vitimizar.  Mais do que conectá-lo com SAUDADE FEZ MORADA AQUI DENTRO pela questão da deficiência visual, estão ligados pela temática do exercício de enxergar a vida com outros olhos como o tato, a audição, o olfato. E viver bem.

Bruno mora com a mãe e o irmão numa pequena cidade do sertão baiano. Uma doença degenerativa já anuncia o que o espera: a cegueira é inevitável e Bruno terá que lidar com a situação. O que o diretor Haroldo Borges faz é filmar com naturalismo quase documental. Acompanhamos Bruno na consulta à oftalmologista, na cumplicidade com o irmão, no relacionamento com os amigos. Tudo muito corriqueiro, mas transformador. Uma maneira de jogar luz na escuridão que de repente toma conta da vida de Bruno, como se a pré-disposição de voltar a enxergar a vida, mesmo que de outra maneira, fosse suficiente pra encontrar novos caminhos e ser feliz.

Um pequeno grande filme que dialoga como a metáfora da esperança. Com uma pitada fundamental de solidariedade, dizendo de diversas maneiras que sem o coletivo o indivíduo perde força, seja na relação com a amiga que lhe dá a oportunidade de se descobrir autonomia na adversidade, seja na relação com o professor que ensina braille. SAUDADE FEZ MORADA AQUI DENTRO, obra pré-selecionada para representar o Brasil no Oscar 2025, é um filme sobre um adolescente se tornando um jovem-adulto prematuramente — o que chamamos de um filme coming of age, rito de passagem — e enfrentando as questões comuns da idade. Porém, mais do que focar na cegueira propriamente dita, o foco é a autonomia. Considerando que tantos que vêem não enxergam um palmo à sua frente e não têm autonomia emocional nem maturidade nesta vida, o bonito e singelo é ver Bruno se desenvolvendo e tomando seu rumo.