SERRA PELADA
Opinião
Já não sei mais onde li que o amontoado de gente trabalhando em Serra Pelada nos anos 1980 é o maior desde a construção da pirâmides do Egito, que envolveu 4 mil homens. No maior garimpo a céu aberto do mundo, foram 100 mil. Além da quantidade de trabalhadores manuais, o que difere Serra Pelada da construção no Egito é a que no sul do Pará as pirâmides foram cavadas na terra, para baixo, na busca pelo ouro. O que restou hoje desse desastre ecológico e humano é um lago lamacento, perto de onde irá começar novamente a exploração de metais preciosos por uma empresa canadense. Só que desta vez, de forma organizada e racional.
Digo racional porque o que houve há três décadas foi o extrema da irracionalidade. Alguém disse que havia ouro, semanas depois o Brasil inteiro se despencou aos confins da região norte, por estradas esburacadas, para se deparar com um calor infernal, com a falta total de infraestrutura, com o sonho irreal de enriquecer da noite para o dia. Sem saneamento básico, habitação decente, planejamento ou responsabilidade, esses milhares de homens acharam muito ouro, mas poucos realmente ganharam dinheiro. Enriqueceu quem exercia poder. Trabalho escravo, muitas mortes, condições terríveis de vida e trabalho, muita promiscuidade, altos índices de doenças, inclusive AIDS, violência e mais violência. Prato cheio para quem ousasse filmar tudo isso. Com essa intensidade, não seria tarefa fácil.
Serra Pelada, do diretor Heitor Dhalia, tem o clima tenso, ilusório, sujo, às vezes dourado, violento do garimpo. Conversando sobre o filme, descobri que meu pai visitou o local na época. Nunca soube disso, mesmo porque naquele tempo isso pouco interessaria a uma menina de 10 anos. Pelo seu relato, a sensação de formigueiro humano era real. Eram formigas trabalhando, sob forte repressão; de humano aquilo não tinha nada.
Dhalia, também de À Deriva, conta a história de dois amigos aventureiros desiludidos, que enxergam no garimpo a chance de ganhar dinheiro e resolver a vida. Joaquim (Julio Andrade, também em Gonzaga) é professor, fica sem emprego e resolve deixar a mulher grávida para tentar a sorte; Juliano (Juliano Cazarré, também em 360, Bruna Surfistinha, VIPs, Salve Geral, Assalto ao Banco Central) vai com o amigo, ganha confiança no garimpo, torna-se dono de um pedaço de terra. O dinheiro e o poder de fogo se tornam mais importantes que o projeto original. Enfrentam as disputas por território, pelo ouro, pelo tráfego de influência e de outras cositas más, pelas mulheres. Quem entra na parada são dois chefões do pedaço, representados por Matheus Nachtergaele e Wagner Moura – este último rouba a cena cada vez que abre a boca, num sujeito absolutamente detestável como pessoa – e adorável como personagem!
Assistam. É uma produção brasileira ousada e talentosa; com bom roteiro, ótimos personagens e uma história incrível para contar. Quem tinha meus 10 anos na época, vai lembrar das imagens que circulavam nas revistas e jornais quando essa realidade veio à tona. É bem isso que tem o filme de Dhalia. Realidade pincelado com boas histórias de vida, para contar mais uma incrível e triste história desse Brasil desorganizado, onde parece que tudo é capaz de acontecer. Até formigueiro humano.
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