SOMOS TÃO JOVENS

Cartaz do filme SOMOS TÃO JOVENS

Opinião

Contar um pouco da vida de gente famosa sempre deixa no ar a dúvida sobre a veracidade das informações, gestos, personagens. Somos Tão Jovens é uma obra de ficção, baseada em fatos reais e em personagens que realmente existiram, com algumas licenças poéticas permitidas pelo diretor Antonio Carlos da Fontoura. E ainda mais, o filme é apenas um recorte – e por isso não menos importante – da vida de Renato Manfredini Jr., que de adolescente nerd, deslocado e esquisito, encontra seu lugar ao sol e no rock e desponta com o poeta, músico e líder da Legião Urbana, quando a banda explode no Rio de Janeiro, em 1982.

Se a ideia for conhecer mais a fundo e ver depoimentos reais da turma de músicos do fim dos anos 1970 e início dos anos 80 em Brasília e entender como funcionava a dinâmica desses jovens de classe média alta, que não tinham o que fazer naquela cidade provinciana e por isso resolveram fazer rock, vale assistir ao documentário Rock Brasília – Era de Ouro, de Vladimir Carvalho. Este sim traz os depoimentos e vivências propriamente ditos para a tela e, com certeza, merece ser visto, principalmente para quem viveu aqueles anos, se viu no meio do turbilhão de bandas surgindo e nunca parou para se perguntar de onde vinha tudo isso.

Dito isso, aceitemos a licença poética. Ela é benéfica, compõe o todo e faz parte do cinema. Como disse o diretor em entrevista coletiva (ler mais detalhes no post Somos Tão Jovens é um Filme de Turma), “Dado e Bonfá estão aqui para não me deixar mentir”. E de fato, os parceiros de Renato Russo na banda Legião Urbana referendam o que viram e acham, sim, que Renato iria gostar. Vale dizer que há duas mulheres marcantes no filme. Uma delas é real, a Carmem Teresa (muito bem representada por Bianca Comparato), irmã de Renato, figura extremamente presente na produção do filme e na vida do cantor; a outra é fictícia, a Aninha (também marcante na atriz Laila Zaid), uma criação do diretor que buscava sintetizar todas as meninas da vida de Renato numa só. Para você ver que aqui não importa muito essa coisa de ficção e realidade (desde que bem equilibrada), a cena em que Thiago Mendonça interpreta a canção Ainda é Cedo para Aninha é uma das mais bonitas do filme. “Queria que ela fosse a menina que ensinou a ele tudo aquilo que sabia”, confessa Fontoura.

Real ou não, a figura de Aninha amarra muito bem essa questão fundamental da adolescência irriquieta de Renato, que foi fundamental para que sua veia criativa e incansável deixasse o legado que deixou. Não ter zona de conforto gera conflito, criação, música, contestação, poesia. O tom encontrado por Fontoura vai no sentido de desvendar o mito, mas não no sentido de endeusá-lo. Com todas as suas questões, dificuldades de relacionamento, língua afiada e domínio completo do verbo e da palavra escrita, Renato cria canções incríveis, vive intensamente com integrantes de outras bandas de Brasília como Plebe Rude e Capital Inicial e é muito bem representado por Thiago Mendonça em toda a sua rebeldia. Na sua busca pela sexualidade, na sua incompreensão de como a sociedade funciona, de como as relações familiares se dão. Na sua dúvida constante: “será só imaginação?/ será que nada vai acontecer?/ será tudo isso em vão?/ será que vamos conseguir vencer?”

Assista e cante muito. Assim como outros filmes interessantes sobre nomes importantes da música brasileira como Gonzaga – De Pai pra Filho e Cazuza, Somos Tão Jovens é, acima de tudo, um tributo bonito ao cantor que morreu tão jovem. E mais: como disse o próprio ator Thiago Mendonça, se o filme servir para sacudir o jovens e fazê-los largar o celular, já valeu. E se servir para lembrar e cantarolar Legião Urbana, ainda mais. Se bem que, nesse caso, não se trata de recordar. Todo mundo lembra da Legião.

 

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Entrevista: “Somos Tão Jovens é filme de turma.”

 

“Maior dificuldade? Eu diria que houve desafios, o de humanizar esse mito que é o Renato”, diz o ator Thiago Mendonça durante entrevista coletiva, ele que interpreta Renato Russo (1960-96), o idealizador da banda Legião Urbana, com uma precisão impressionante. Em Somos Tão Jovens, que estreia dia 03 de maio, Thiago parece mesmo Renato, nos trejeitos, na voz, no olhar que está sempre buscando algo mais.

Digo na voz porque esse é a grande sacada do filme. Em Somos Tão Jovens não tem playback. É som ao vivo, banda de rock tocando aqui e agora. E é daí que vem a grande energia do filme. Enquanto o Aborto Elétrico (primeira banda de Renato), Legião Urbana, Capital Inicial tocam, ou quando Renato toca sozinho, o público realmente vibra e a gente, do lado de cá da telona, sente que tem algo a mais nessa turma de Brasília, que mudou a faceta da música dos anos 80 no Brasil.

Para quem não sabe, Somos Tão Jovens conta como o menino Júnior (como era chamado pela família), que se considerava um sujeito estranho e feio, descobriu o punk e virou poeta, cantor de rock e formou uma banda que continua bombando até hoje. “Eu fiz uma escolha”, conta o diretor Antônio Carlos de Fontoura. “Percebi que queria contar a história desse menino nerd preso em uma cadeira de rodas, contar como ele descobre que pode ser roqueiro assim como os punks, embora se achasse feio, e usar a sua cultura musical para encontrar o seu caminho.”

Buscou o seu caminho, numa Brasília também adolescente, provinciana. “Até por isso, falar da homossexualidade naquela cidade pequena e careta era difícil, praticamente impossível”, lembra Marcelo Bonfá, seu parceiro na Legião, juntamente com Dado Villa-Lobos, representado por seu próprio filho no filme, Nicolau Villa-Lobos. Por isso, a escolha foi falar sutilmente da questão sexual de Renato. Sugerir, sem que esse fosse o foco.

O foco é realmente o movimento brasiliense da juventude inquieta e irreverente diante da sociedade de embaixadores, políticos, militares. Era transgredir, fazer música, se divertir e deixar a marca. Conseguiram. Em turma, emprestando instrumentos, bateristas e tudo mais que as outras bandas precisavam, marcaram uma época. “Acho que o Renato gostaria muito do filme, principalmente porque tem essa vibração juvenil, que pode vir a contagiar a juventude de hoje a largar isso daqui [aponta o celular], pegar uma guitarra, um violão, aprender alguns acordes e montar a própria banda. Se o filme conseguir motivar a galera, Renato ficaria orgulhoso”, conclui Thiago. E dá para sentir na veia o clima no filme. Ainda mais para quem viveu os anos 80 da Legião. Ainda somos bem jovens para lembrar de tudo.

 

 

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