ARÁBIA
Opinião
O que Arábia tem de melhor é a sua universalidade. Fala do homem comum, aqui um operário, mas principalmente o homem comum que trabalha, ama, sofre, luta. Mais ou menos como todas as pessoas. Exatamente como muitas. Um retrato de uma solidão dentro de si mesmo, no que diz respeito à não-profissão, não-casa, não-amor, não-estabilidade, não-reconhecimento. Uma vida em busca de vida. Arábia conta a história de muitos na trajetória de um personagem, o Cristiano.
Mas Cristiano (Aristides de Sousa) só aparece porque escreve sua história em um caderno, que é encontrado por André, quando sua tia pede que ele vá pegar os documentos de Cristiano em casa, porque ia precisar deles no hospital. André pega roupas e documentos, encontra um caderno, começa a ler e a voz em off de Cristiano é que vai nos contar a sua história.
Ficamos sabendo que Cristiano trabalhou em colheita de mexerica e em gráfica, como ajudante, carregador e pedreiro, e que foi presidiário, antes de trabalhar como metalúrgico, quando passou mal e foi para o hospital. “Sou igual a todo mundo; minha vida é que foi um pouco diferente”, diz ele. E o mais bonito é quando diz que, “no fim de tudo, o que fica é a lembrança do que passou”. Isso, no fim, sobra o mesmo pra todos nós. Só lembrança. E é aqui que o Arábia é especial: mostra Cristiano como o vemos, ao mesmo tempo em que expõe o que ele sente em cada um dos desafios da vida através do seu texto. O particular universalizado; o universal no particular.
Isso já seria suficiente para fazer de Arábia um daqueles filmes singulares sobre o homem comum. Mas é mais: a cena em que Cristiano divaga com seu colega de trabalho sobre qual carga é mais difícil ou fácil de carregar – de cimento, tijolo, café, ração de peixe – é algo poético. Poesia da vida no que ela tem de mais (extra)ordinário: a capacidade de observá-la, percebê-la e descrevê-la em palavras e imagens. Aí, até sofrimento ganha contornos em verso e prosa. Como em Arábia.
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