NA ESTRADA – On The Road

Cartaz do filme NA ESTRADA – On The Road

Opinião

Quando foi publicado em 1957, a revista Time acusou o livro On the Road, de John Kerouac, de dar “fundamento à explosiva juventude que, de um canto a outro do país, se agrupa em torno de jukeboxes e se envolve em arruaças sem motivo em plena madrugada”, conforme conta o jornalista e tradutor Eduardo Bueno, no prefácio da nova edição brasileira. O livro ficou famoso, foi um marco da revolução literária e comportamental a época, inspirou diversas figuras dessa geração verborrágica, impulsiva, insaciável, conhecida como geração beat. Ela se tornou referência também para Walter Salles, que recebeu de Robert Redford o convite para adaptá-lo ao cinema.

“Eu já tinha vivido este desafio antes, de dirigir um filme escrito por um autor estrangeiro, como foi o caso de Diários de Motocicleta”, conta o cineasta Walter Salles em entrevista, ele que ganhou notoriedade com Central do Brasil, em 1998.  “O desafio de adaptar uma história de importância cultural é enorme, já que é uma cultura que não é a minha. Mas me apaixonei pelo livro, pois demarca um estado próprio de uma juventude em transição para a idade adulta, de uma geração que quer viver as experiências na pele, por conta própria. Uma geração que literalmente andava mil quilômetros por uma boa conversa”. Ótima conclusão.

De fato, Na Estrada é isso mesmo. Um road movie claro, mas principalmente um filme sobre o sentimento de ser livre, alimentado por muito sexo, drogas, álcool e jazz, muito jazz, num grupo de jovens que cruza os Estados Unidos a procura de vivências inconsequentes, como se cada dia fosse o último. Era a expressão da contracultura da época, da vontade de sair da monotonia dos anos pós-guerra, da previsibilidade. Inclusive, é esse movimento que dá origem aos hippies no final dos anos 60. Era a vontade incontrolável de viver entre amigos, de experimentar as novas rotas, alucinógenos e sensações. “As jornadas não são só físicas, mas também emotivas, de transformação profunda”, analisa a brasileira Alice Braga, que faz a personagem Terry, uma moça simples que trabalha na colheita do algodão. “Os personagens do filme são aquilo que falta às novas gerações, vão na contramão dessa geração da comunicação virtual de hoje, que se priva da convivência e das experiências”, diz ela.

Isso tudo porque estamos falando de dois personagens principais, o escritor Sal Paradise (Sam Riley), que estava ávido por uma aventura, e Dean (Garrett Hedlund), que com a desculpa de aprender a ser escritor, chama Sal para viver com ele uma jornada desmedida e desvairada, cruzando os Estados Unidos na direção oeste. O que se vê na relação entre os dois é um pouco de razão pelo lado de Sal, que é o narrador da história, desequilibrada pela total falta de juízo de Dean, em relação a ele mesmo e a suas mulheres, como as representadas pelas ótimas Kirsten Dunst (também em Melancolia, Entre Segredos e Mentiras) e Kristen Stewart, da série Crepúsculo. Um elenco afiado, intenso, jovem e absolutamente visceral. Diga-se de passagem que essa travessia do livro foi inspirada na experiência do próprio Kerouac, com todos os mandos e desmandos que tem direito.

Na Estrada não é filme para multidões. É filme de autor, como diz Walter Salles. Concorreu à Palma de Ouro em Cannes, já passeou pelo mundo em festivais e ainda será complementado por um documentário sobre a geração beat, seu comportamento e implicações, feito por Salles. Projeto trabalhado durante mais de três anos, Na Estrada é um bonito e intenso retrato dessa geração de onde saíram figuras como Bob Dylan. Vale a pena, mesmo porque tem uma leitura particular da visão de mundo do diretor, que tem, ele mesmo, um pé na estrada, e da importância que ele dá aos filmes que fogem do circuito comercial, que fogem da norma. “São eles que formam público, opinião, espírito crítico.” No mínimo, aumenta o repertório cultural – o que já é um ganho e tanto.

É com esse apelo que Walter Salles termina a entrevista coletiva, pedindo que a imprensa ache mais espaço para os filmes que transmitem visões de mundo diferentes e diversas. Combinado, sou absolutamente partidária. Mas o público precisa fazer a sua parte e sair da zona de “conforto”. Como disse Alice Braga, “o cinema é o lugar que me leva para onde eu jamais fui, onde posso viver e experimentar coisas e sensações completamente diferentes.” Disse tudo! Viva o cinema da diversidade!

 

 

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