O ABUTRE – Nightcrawler
Opinião
A história de que notícia ruim vende bem e dá dinheiro é verdade em qualquer lugar do mundo. Basta notar o trânsito que se forma quando há um acidente ou algo diferente acontecendo, só por conta dos carros que diminuem a velocidade para espiar a desgraça alheia. Nunca entendi isso muito bem, mas me parece que essa curiosidade está diretamente associada ao alívio sentido ao perceber que a grama do vizinho muitas vezes não é mais verde.
Imagine que essas pessoas que param para xeretar acidentes são como abutres, urubus que se alimentam de carne estragada, de animais mortos, de lixo, de tragédias. O cineasta ótimo argentino Pablo Trapero deu a um de seus filmes o nome Abutres, justamente porque se tratava da história de um advogado de segunda linha (o onipresente Ricardo Darín), que se aproveitava das pessoas acidentadas para entrar na justiça, forjar documentos e receber a indenização do seguro. São todos farinha do mesmo saco, oportunistas que vêm na tragédia uma maneira de ganhar dinheiro a qualquer custo.
É dessa estirpe que o jornalismo sensacionalista se nutre: quanto mais sangue, melhor; quanto mais rica e branca for a vítima, melhor; quanto mais tempo render a matéria, melhor. É claro que o farejador que chegar primeiro ao local do crime ou da tragédia, consegue a manchete. Aqui entra o personagem do ator Jake Gyllenhaal. Desempregado, vive de trambiques e descobre, por acaso, que fabricar notícias pode ser uma boa. Munido de uma câmera, muita cara de pau, um sorriso cínico e uma falsa timidez, invade a noite em busca de tragédias (daí o título original Nightcrawler) que possam interessar aos grandes canais de televisão.
Gosto de Gyllenhall, inclusive quanto fez o intrigante O Homem Duplicado e o ótimo suspense Os Suspeitos. Seu personagem aqui não é um sujeito simples. Pelo contrário, tem a complexidade de alguém dúbio, malicioso, ambicioso, capaz de tudo pela fama e pelo dinheiro. Inescrupuloso, um abutre que sai na penumbra da noite, se alimenta de carniça e ainda lambe os beiços. Triste traço da natureza humana.
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