Opinião

Pra quem se interessa por histórias criadas a partir de memórias, RADIOGRAFIA DE UMA FAMÍLIA tem mais um atrativo importante: fala da revolução islâmica no Irã do ponto de vista da cineasta Firouzeh Khosrovani, que relembra a trajetória de seus pais com o pano de fundo da revolução que transformou um país livre em uma república teocrática liderada por aiatolás. Portanto, um viés histórico sempre importante de ser retomado pra entendimento do mundo como ele se apresenta hoje.

Firouzeh recorre à sua memória do que foi aquele tempo em que era criança no Irã, quando sua mãe não se identificava com a cultura ocidental dos anos que viveu na Suíça, se encontra na revolução de 1979 e a partir daí constrói uma nova figura social, religiosa, militar.  A revolução islâmica formou mulheres para liderar uma fatia desse movimento e sua mãe se entregou por completo não só como ativista religiosa, mas também fazendo treinamento militar. Já seu pai, liberal formado na Europa, se distancia dessa mudança fundamental em seu país e se isola.

Em entrevista à Mostra, Firouzeh diz que seu filme quebra o paradigma de que a Revolução Islâmica era contra o empoderamento feminino. “A questão é: de que mulheres estamos falando? Minha mãe se tornou diretora de escola, ganhou legitimidade na revolução, ganhou nova identidade social e religiosa”, conclui, trazendo um novo olhar sobre as mulheres naquele momento do país em que as regras islâmicas extremas mudaram suas vidas de forma drástica.

Num relato sensível, costurado através das fotografias da família, suas lembranças e seu julgamento adulto, a cineasta revisita esses tempos, retratando a desconstrução do projeto inicial da família unida, já impossível diante da incompatibilidade de filosofias de vida. Um registro ao mesmo tempo objetivo e subjetivo da sociedade iraniana daquela década.

Vencedor dos prêmios de melhor documentário em longa-metragem e de melhor uso criativo de imagens de arquivo no IDFA. Também foi exibido no IndieLisboa.