YESTERDAY

Cartaz do filme YESTERDAY

Opinião

Especial para Vida Simples 

 

O que é mais apaixonante: a canção Yesterday, dos Beatles, ou o quarteto John-Paul-Ringo-George em si? Se tivesse sido composta por outros artistas, em outras circunstâncias, teria o mesmo impacto? É genial, é verdade, mas ao separar o criador da criatura, percebemos que algo se rompe. O receptor da arte perde o referencial dessa união e não atribui o mesmo significado aos elementos separados. O trio criador-criatura-receptor não se forma e a conexão, que faria dessa obra uma arte única, não acontece.

Claro que, pra nós, essa ruptura não existe. Inclusive, acontece exatamente o contrário – pensamos em Beatles como uma entidade só, sagrada, eterna e intransponível. O que o filme Yesterday, do diretor inglês Danny Boyle, propõe é experimentar essa quebra de expectativa, sair do lugar conhecido, do conforto da informação de domínio público, da acomodação da nossa memória afetiva. Além de, claro, entreter e divertir, porque o filme é doce, leve e musical até não poder mais.

Jack Malik (Himesh Patel) é um compositor que não deslancha, tem uma charmosa e apaixonada empresária, Ellie (Lily James), mas está praticamente desistindo da vida de artista. É quando sofre um acidente, um blecaute atinge a Terra e ele acorda diferente. Acorda num mundo onde não há mais Coca-Cola, cigarros, Harry Potter; onde o quarteto John-Paul-Ringo-George nunca se formou e canções como Let it Be, nunca foram compostas.

É como imaginar um universo paralelo, em que as coisas não são como as conhecemos. E o que seria de nós nesse caso? Jack percebe que ninguém nunca ouviu falar dos Beatles, nem conhece as músicas da banda. Resolve se apropriar das composições, arranja uma empresária interessada em construir a sua imagem e fazer muito dinheiro com isso. E parte pra fama.

Com humor britânico sempre na ponta da língua e contando com a espirituosa participação do cantor Ed Sheeran, Yesterday vai mostrando o que acontece quando há essa ruptura entre imagem e conteúdo. Às vezes nem gostamos muito, mas consumimos coisas, dados, arte já previamente aceitos e com certo prestígio – um filme de um diretor famoso, uma exposição de um artista que marcou uma época, uma roupa da moda. Consumimos ícones, produtos que carregam algum significado de uma época, de um comportamento, que provocam, criam identificação, nos remetem a lembranças, memórias. Ou que simplesmente nos fazem pertencer a um contexto social.

Fiquei pensando nesse poder que a tem, não só a música, mas todos esses elementos que norteiam nossa vida e que consumimos sem nos dar conta, pela construção da sua imagem e importância. Yesterday, nesse mundo imaginário em que Lennon não era um Beatle e que, por isso, não morreu, é só uma bela canção, sem a dimensão que ela tem pra nós. Jack Malik faz essa viagem imaginária, resignifica seus ícones e retoma a sua essência – romântica e musical. Qual é a sua?

 

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